A primeira pedra da Basílica da Estrela foi lançada no dia 24 de outubro de 1779.

Hoje, 244 anos depois, recordamos um acontecimento macabro que abalou a capital e que se passou dentro desta Basília, em 1822, e que envolve o cadáver da rainha portuguesa D. Maria I.


D. Maria I foi a 1ª mulher a reinar em Portugal.

Sucedeu ao pai, D. José I, e herdou um país “reinado” pelo ministro Marquês de Pombal. Profundamente religiosa e humana nunca lidou bem com as medidas déspotas do Marquês e muito menos com as perseguições, prisões e mortes, levadas a cabo pelo ministro, a ordens religiosas e a grande parte da nobreza portuguesa.


Casada com um tio direito, irmão do pai, D. Maria governou o nosso país até ser afastada por ser considerada louca. Sobre a questão da sua loucura, há algumas teorias. Há a conspiração do papel de carta envenenado que a pode ter ensandecido aos poucos. Há a teoria que considera que foi afastada do trono e que enlouqueceu pela clausura a que foi obrigada no Palácio de Queluz, durante 15 anos, de onde saiu para acompanhar a corte que fugiu de Portugal para o Brasil, em 1808, com as invasões francesas à porta. E há a teoria corrente de que foi afastada do trono porque estava a enlouquecer, ocupando o trono o seu filho, princípe regente D. João VI.



Era uma sombra do que foi, depois dos anos em clausura em Queluz, quando foi levada pelo filho D. João VI e toda a corte para o Brasil.

Aqui viveu atormentada e ensandecida até à sua morte, aos 81 anos.

Morreu no Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1816.



D. Maria I teve mais do que um funeral, foi sepultada em vários sítios e só pareceu ter-se conciliado com a paz divina, finalmente, 6 anos após a sua morte, na Basílica da Estrela, mandada construir precisamente pela própria, como voto, caso tivesse um varão. O que veio a acontecer com o nascimento do seu primeiro filho.

E assim se lançou a primeira pedra da Basílica, a 24 de outubro de 1779. A igreja só ficou concluída em 1790.


Porque faz anos que se iniciou a sua construção e porque é lá que se encontra o túmulo desta nossa 1ª rainha reinante, vamos à macabra história do seu enterro. Ou melhor dos seus enterros.


Tudo na doença, na morte e no derradeiro sepulcro desta rainha se arrastou como se a sua alma se mantivesse presa aos tormentos de que padeceu em vida. A verdade é que apareceu sempre mais um motivo, uma razão, um acontecimento a adiar a merecida paz… logo a ela, tão devota e tão mística.



No Rio de janeiro

A triste notícia da sua morte, no Rio de Janeiro, a 20 de março de 1816, levou tempo a chegar à capital do reino, Lisboa, e apenas a 4 de outubro foram feitas as cerimónias fúnebres pela alma de D. Maria I, na igreja de São Julião.

Após estas solenidades, um grande incêndio destruiu por completo esta igreja. Tratou-se de um curioso e estranho incidente que, de alguma forma, anteviu um longo caminho, até ao seu descanso final.


No Rio de Janeiro, mal se anunciou a morte da rainha-mãe, os corredores do palácio cobriram-se de negro .

Uma das salas do palácio foi transformada em câmara ardente e o cadáver foi lá colocado, envolto num manto encarnado com as Ordens de S. Tiago, Cristo e Avis pousadas sobre o peito.

Em redor do caixão aberto, foram dispostas ervas aromáticas, para que os súbditos pudessem vê-la sem o cheiro a morte se fazer notar. D. João, filho e regente, chorou sentidamente agarrado à mão da mãe, impressionando todos os que ali faziam vigília.

Os netos, D. Pedro e D. Miguel, acompanharam o pai e D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI fez o mesmo.

Depois da família real, veio o povo. Seguiram-se procissões e missas todos os dias, em todas as igrejas e os sinos dobraram por semanas. O luto foi muito prolongado e o Rio de Janeiro parou durante todo esse tempo.

Seguiu-se o desfile doloroso desde o Convento das Carmelitas, onde morou, no Rio de Janeiro, e onde morreu, até ao Convento dos Religiosos da Nossa Senhora da Ajuda, onde foi sepultada pela primeira vez, a 23 de março de 1816.


No resto do império português, à medida que a notícia chegava, multiplicavam-se as cerimónias pela alma da rainha. Em Lisboa, Salvaterra, Queluz, Belém, Vila Viçosa e em todos os lugares por onde D. Maria estivera ou passara.


Depois deste funeral no Brasil, seguiram-se, anos depois, mais 2 velórios e ainda mais um funeral, tendo sido desenterrada antes deste último, depois de estar morta há já 6 anos.



Na fragata, transformada em capela ardente

O corpo de D. Maria I, sepultado no Rio de Janeiro, foi transportado para Lisboa, quando D. João VI, seu filho e já rei, acabou por regressar a Lisboa a 23 de abril de 1821, na fragata Princesa Real.

Assim, na antevéspera da partida para Lisboa, o corpo, fechado num túmulo havia já 5 anos, foi carregado desde o Convento da Nossa Senhora da Ajuda, em mais um cortejo fúnebre, até à fragata, transformada em capela ardente, onde mais um velório se realizou.



Em Lisboa

A chegada a Lisboa aconteceu a 4 de junho de 1821. O corpo da rainha, no túmulo, andou de convento em convento até que, a 18 de março de 1822 foi, finalmente, trasladado para a igreja do Mosteiro do Santíssimo Coração de Jesus, na Estrela, e um segundo funeral lhe foi dedicado, 9 meses depois da chegada do caixão a Lisboa.


Esta derradeira cerimónia durou 3 dias e começou pela noite, com tochas de fogo nas mãos de quem acompanhava o corpo até à Basília da Estrela. O rei e a corte seguiam em coches com os nobres atrás, a cavalo. Estavam todos cobertos de capas e chapéus negros.

Já dentro da Basília da Estrela, a tampa foi retirada ao caixão. Cadáver há 6 anos, sem ter sido embalsamado, mantinha as ervas aromáticas e resinas colocadas por altura do primeiro enterro, no Rio de Janeiro. Uma vez aberto, o cheiro espalhou-se pelo interior da igreja, impressionando todos os presentes ao ponto de uma das netas da rainha ter desmaiado 2 vezes. Sem conseguir recompor-se, foi conduzida para fora da igreja.


As roupas estavam desfeitas e foi necessário voltar a trajar a rainha morta com um vestido preto, touca e luvas, meias e sapatos e ainda as ordens de S. Tiago, Cristo e Avis de novo sobre o peito.


Durante 2 dias, o corpo ficou exposto na igreja, velado por guarda de honra, enquanto os nobres e os fidalgos vinham ao beija-mão, como era tradição. Até que, finalmente, o corpo foi entregue à responsável do mosteiro.


Depois foi cerrado o seu sumptuoso túmulo de mármore, ricamente ornamentado, posicionado ao lado do túmulo do seu primeiro confessor, tal como tinha ordenado muitos anos antes, ainda lúcida e governante, para aí repousar na capela-mor da Basília da Estrela.



D. Maria I foi a primeira soberana desta dinastia que não se juntou aos mortos da Casa Real de Bragança, em São Vicente de Fora.

Depois de 26 anos de demência e de 2 funerais, a primeira mulher a mandar em Portugal sossegou finalmente, na Basílica da Estrela, em Lisboa.