Afonso Reis Cabral é um nome cada vez mais conhecido no panorama da escrita em Portugal. Depois de, em 2019, ter recebido o prémio José Saramago com o livro "Pão de Açúcar", a sua carreira deu um grande salto.

Agora, está no centro das atenções, depois de ter sido vítima da cultura de "hipersensibilidade". Se não estás familiarizado, nos últimos tempos, vários clássicos têm sido reescritos para responder às "sensibilidades modernas". Isso passa por remover referências racistas e outras linguagens consideradas ofensivas para o público moderno.


É o caso dos livros de Agatha Christie, de Roald Dahl, os livros de 007 e, agora, os de Afonso Reis Cabral. O escritor português aproveitou a onda de protesto para revelar, no Facebook, um e-mail, que recebeu há dois anos, de uma editora americana, que preferiu não revelar o nome, a recusar a edição do seu livro "Pão de Açúcar" e "O Meu Irmão", no mercado norte-americano.



"O escritor é claramente muito talentoso. No entanto, sinto que a franqueza de ‘O Meu Irmão’ pode ser problemática para o mercado dos EUA onde estes temas são levados muito a sério pelos media", lê-se no email enviado pela editora. "O Meu Irmão" é um livro que gira em torno de uma das personagens que tem Síndrome de Down.

O e-mail não fica por aqui.

Quanto ao livro "Pão de Açúcar", que também foi recusado, os motivos apresentados foram os seguintes: "A crítica foi na sua maioria boa, mas um colega exprimiu preocupações quanto a uma pessoa cis [alguém que se identifica com o género com que nasceu] escrever sobre uma pessoa transexual - outro tema altamente sensível por aqui. Tentei encontrar uma pessoa LGBTQ falante de português para tentar escrever um relatório de sensibilidade, mas não encontrei ninguém. Por essas razões, decidi passar."


"Pão de Açúcar" retrata a história de Gisberta, uma mulher transgénero brasileira que foi assassinada em 2006 por um grupo de 13 adolescentes, com idades entre os 12 e os 16 anos, no Porto.


Afonso Reis Cabral falou mais aprofundadamente sobre esta situação ao Observador, onde diz que este tipo de situações não são "aceitáveis". "Isto é a negação total da ficção e da literatura tal como ela é. É querer transformar a literatura no fundo num traduzir da experiência própria de vida, e isso não é aceitável. Literatura não é nada disso. É evidente que uma mulher trans pode escrever sobre um homem que se identifica como um homem e vice-versa."



(Imagens: Facebook)