Foi por esta altura, há 18 anos, que soube que algo não estava bem. Que a vida podia mudar a qualquer instante. Primeiro foi o sorriso da médica que desapareceu, depois vieram mais exames e mais médicos com rostos sérios, sem respostas e com silêncios constrangedores.


O que até aqui só acontecia aos outros, estava a aproximar-se a passos largos, quase como um filme. A notícia chegou perto das 13 horas de uma sexta feira 13, em dezembro, num gabinete da Maternidade Alfredo da Costa.
Não havia redes sociais mas havia SMS que foram lançados para a família e para os amigos que até aqui tinham acompanhado a gravidez. “Mas estava tudo bem… não tinhas sintomas nenhuns!”. “Não interessa. Fico já internada.”


A partir daqui entras numa rotina de exames, de conversas com outras grávidas, com muitas histórias e tantas certezas como anseios. Mudas todos os teus focos e passas a saber as horas de trabalho infindáveis dos médicos, das enfermeiras e do pessoal auxiliar… de repente as notícias que passam na televisão não fazem qualquer sentido, as conversas mudam de rumo, e o que pensavas que iria ser uma gravidez de pelo menos 38 semanas pode acabar a qualquer instante.


E acabou. Acabou com o nascimento de dois seres pequenos demais, com peso a menos, que ganharam fios em vez de peluches, e respiraram oxigénio antes de tempo. Nesse dia percebes que o teu mundo nunca mais vai ser o mesmo. Que a força que tens de ter para aqueles pré-bebés minúsculos que tomam banho em taças de sopa e comem através de seringas penduradas em aquários sem água, vão ser o teu mundo, a tua força, o amor mais violento que alguma vez sentiste.


No dia em que se assinalam 12 anos do dia mundial da prematuridade há que aprender a relativizar. Tudo. A vida como esperamos que seja e a vida que estes seres, prematuros, nos oferecem. É preciso viver não um dia de cada vez, mas uma hora de cada vez, aproveitar cada sucesso e ter força para todos os retrocessos que acontecem. Porque vão acontecer…



Nascem cada vez mais prematuros, sobrevivem cada vez mais pequenos e cada vez com menos sequelas mas ninguém está preparado, até porque pode acontecer tudo. Podes acreditar que vai correr bem, agarrares-te a uma fé, à energia dos amigos mas ninguém te consegue preparar. Ninguém sonha em não ter um bebé nos braços nos primeiros dias, em não ter uma foto sem fios ou um vídeo sem os alarmes das incubadoras. Ninguém te prepara para chegares a casa sem nada no colo.


Tens de ir buscar forças a sítios que não conheces, agarrares-te à experiência de quem já passou por isso e habituares-te a olhar para o centro da tua vida através de um vidro que protege quem mais queres que saia dali a respirar sozinho e com o peso que devia ter ganho dentro de ti.


Quem viveu e vive a prematuridade de muito perto, sabe o que é estar longe para proteger, sabe que vestir bata, usar máscara e desinfetar as mãos é a única forma de se chegar perto, de se tocar nos dedos pequeninos de quem amamos desproporcionadamente. É que eles não têm tamanho para o amor que lhes temos.


Nem quando nascem, nem quando estão prestes a fazer 18 anos como os meus, que nasceram com 28 semanas num dia de Natal absolutamente inesquecível.