Não havia eletricidade, nem cabos, nem temporizadores, nem asfalto, mas havia bastante trânsito na capital. Eram carroças, burros, cavalos, liteiras, coches e andavam todos, basicamente, de qualquer maneira pelas ruas e vielas de Lisboa.

O rei D. Pedro II (reinou de 1683 a 1706) decidiu acalmar as ruas e ordenou a disposição de mais de 20 “sinais de trânsito" pela cidade que constavam de placas com a descrição do que se devia ou não fazer. Obviamente que se coloca a questão da literacia. Quem dos condutores de carroças, liteiras e coches ou dos que montavam (ou puxavam) burros e andavam a cavalo saberiam ler o que estava inscrito nas ditas placas, nesta época? A alfabetização era do domínio do clero e de alguma nobreza e burguesia e é sabido que ler era uma capacidade apenas acessível a poucos.


Ainda assim, D. Pedro II - que através de um “golpe de Estado” afastou o seu irmão D. Afonso VI do trono, lhe tomou o lugar e se casou com a sua cunhada, mulher do rei retirado - considerou que faltava, nas ruas da cidade, alguma ordem, ainda que aquela que “repôs” na corte fosse alvo de grande desconforto e, para muitos, considerado um episódio bastante “feio” da História de Portugal.


O que esteve na origem desta ação de colocação de sinais de trânsito não era propriamente o excesso de tráfego, era, sim, o excesso de rixas, brigas e altercações com feridos e mortes que ocorriam nas ruas, quando duas carroças, por exemplo, queriam passar e, naquela rua ou viela, só havia espaço para uma delas. Os cocheiros e condutores de seges e liteiras, em geral, travavam-se de razões e, dado que todos andavam munidos de adagas, punhais, espadas e diversos objetos cortantes e pontiagudos, as lutas davam-se e as mortes e estropiações ocorriam com alguma facilidade.


Assim, em 1686, D. Pedro II fez sair um despacho para terminar com a violência nas ruas, causada pelas questões do “trânsito” na cidade.

O único sinal destes que resta, dos mais de vinte e que se mantém onde foi colocado originalmente, está em Alfama, na rua do Salvador e diz:

“Ano de 1686. Sua Majestade ordena que os coches, seges e liteiras que vierem da Portaria do Salvador recuem para a mesma parte”

Ou seja, os que desciam a rua tinham de dar prioridade de passagem aos que subiam. Referia-se a liteiras, carroças, seges e transportes desse género.




Lembremo-nos que toda a Lisboa era feita de ruelas e vielas estreitas, com curvas e obstáculos, a subir e a descer que em nada facilitavam a circulação das carroças, seges, liteiras e coches, bem como dos burros, cavalos e juntas de bois.

Como sabemos, só depois do terramoto, que ocorreu em 1755, é que a parte da Baixa de Lisboa se tornou mais desafogada com ruas mais largas, retas e direitas, já a alta - ou as altas - da cidade mantém, até hoje, a mesma estrutura da Idade Média.

No tempo do rei D. Pedro II a geografia da cidade era medieval, emaranhada, espalhada em cima de duas colinas - a do Castelo e a do Bairro Alto - com um vale no meio, a Baixa, onde as ruelas mantinham o mesmo intrincado complexo. Se um dia visitares o Museu da Cidade de Lisboa, no Campo Grande, onde está uma gigante maquete da cidade, antes do terramoto de 1755, consegues perceber a complexidade de ruas da Lisboa medieval, antes deste sismo.


Hoje, estas - e outras artérias de Lisboa - mantêm-se estreitas, sobretudo em Alfama e no Bairro Alto. O trânsito, esse, continua a ser bastante. Antes dos semáforos, houve polícias sinaleiros que ajudavam, em cruzamentos, a parar e a fazer andar o trânsito e depois surgiu toda a teia de semáforos que implica, com toda a certeza, uma complexa engenharia de temporizadores.


E pensar que tudo começou por causa das escaramuças no trânsito - afinal, quem tinha prioridade? - e não pela falta de escoamento ou por causa dos engarrafamentos nas vielas e ruelas de Lisboa.