É estúpido dizer que tenho saudades de estar doente? É um bocado, até porque não é bem isso que quero dizer.

O que eu quero dizer é que tenho saudades de quando podia estar doente.

É que agora não posso, agora sou pai. Não tenho tempo para estar doente.

Quando não havia crianças, se eu acordasse doente, era outro esquema. Até podia acordar no estaleiro, mas estava tudo bem.

Mandava mensagem para o trabalho a dizer “hoje não vou trabalhar”, e pronto ficava a descansar.

Porque é assim que se curam as gripes, com chá, séries de porcaria na TV e sestas numa mantinha. Há sempre aquele período em que estamos melhores, por causa dos medicamentos, e dançamos e jogamos Playstation, e até pensamos, não sem culpa, que afinal devíamos ter ido trabalhar, mas depois pioramos e caímos em nós, “ainda bem que não fui”.

Isto sem falar de quando somos crianças e apanhamos uma gripe, aí é que estamos bem. Não há escola para ninguém, tomam conta de nós, isso é que é viver.

Agora, com crianças pequenas, não há cá descansos, as tarefas têm todas que ser feitas.

É que as crianças não têm intervalos. São TODOS OS DIAS. E se estiveres doente? Grande azar, trabalhas na mesma.

Além disso, muitas das vezes quando estamos doentes, se calhar até foram os miúdos que te pegaram. Ou seja, estás doente ao mesmo tempo que eles. O que significa que estás doente a tomar conta de doentes.

Mas eles são amorosos e merecem, não é? A sério, as crianças doentes não são nada chatas, com tudo.

Não são nada embirrentas, nem criaturas para quem a mínima contrariedade é um dilúvio de emoções. Qualquer lomba na vida resulta em "PAI! PAI! PAI! PAI! PAI! PAI!"

O melhor é que são isto tudo, enquanto nós nos sentimos um cano de esgoto cheio de ranhoca verde.

É que ter filhos é isso, é ser pai doente guerreiro. Até pode parecer que levaste com o um comboio na cabeça, mas tens que estar lá.

Firme.

Uma pessoa nunca quer estar doente, mas com filhos ainda menos.

Quando começamos a sentir os sintomas até ignoramos e mentimos a nós próprios.

“Ahhh isto não é nada, o meu mal é sono.”

“Sempre ouvi dizer que febre a sério é só a partir dos 39,5”

“Ohhh, catarro castanho com bocadinhos de sangue é super normal”

“Doer a engolir é normal, ajuda-nos a perceber que as coisas são mesmo boas”

Depois lá percebemos que está a acontecer e que temos mesmo que descansar.

Mas com crianças, descansar é difícil, porque os miúdos não percebem o conceito de “O pai agora tem que descansar aqui 10 minutos, está bem?”

Eles até podem dizer que sim, mas é mentira. É uma armadlha. Eles nem sabem o que são dez minutos. Passados 15 segundos de estarmos a descansar, eles entram no quarto a fazer uma barulheira, como se fossem a banda filarmónica do ódio parental.

Como se fossem membros do Rancho Folclórico dos rejeitados da operação triunfo. É um suplício.

Portanto, não há hipotese a não ser dar tudo e cuidar.

Mas atenção a uma pequena cilada que às vezes se desenha. Por vezes, parece que acalma e vamos poder finalmente descansar um bocadinho... NADA DISSO.

Porque assim que nos sentamos, entra aquela regra , que é a variação paterna da máxima “um corpo todo submerso numa banheira faz um telefone tocar” e é: “Um rabo de pai sentado num sofá faz uma criança chamar”

Portanto, assim que nos sentamos: “PAI! PAI! PAI! PAI! PAI! PAI!”

E pronto, lá vamos nós, tudo bem… Ficamos doentes noutro dia.




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