Há exatamente 366 anos, o Padre António Vieira proferiu um sermão com uma tal atualidade que podia ser um “discurso” proferido no dia de hoje, no século XXI.


O tão atual “Sermão de Santo António aos peixes”


Foi no dia de Santo António que o Padre António Vieira pregou um dos seus mais expressivos sermões. O “Sermão de Santo António aos peixes” foi eloquentemente pregado, como era apanágio de Padre António Vieira, na igreja de São Luís, no Maranhão, Brasil, a 13 de junho de 1654. É todo ele uma metáfora para criticar a crueldade com que os colonos tratavam os índios.


Homem de causas, Padre António Vieira era dono de um excecional talento no uso da língua portuguesa, escrita e falada, o que fez dele um exímio orador, dotado de um incomum poder argumentativo e persuasivo. Entre os seus muitos sermões, cartas, escritos e documentos, destaca-se o famoso “Sermão de Santo António aos peixes”, que faz parte dos conteúdos programáticos do 11º ano da disciplina de Português o que o torna, por isto mesmo, conhecido da maioria dos portugueses.


Neste sermão, o Padre António Vieira critica veementemente, com sagacidade, astúcia, apurado sentido estético, hábil estrutura metafórica da língua e ironia, a corrupção, a ambição e o poder que os mais fortes exercem sobre os mais fracos.


Era, de resto, a partir do cimo do púlpito que o Padre António Vieira se fazia bem ouvir e era aqui onde usava a sua excecional eloquência para erguer a voz contra os temas que considerava errados e injustos e expressava as suas maiores convicções, atingindo públicos muito diferentes.


Foi um homem com um visão mais “larga” do que o seu tempo que se sentiu desiludido com os homens e denunciou os comportamentos abusivos e corruptos dos colonos do brasil, defendendo sempre os índios.


Decidiu o Padre António Vieira, no “Sermão de Santo António aos peixes”, proferido a 13 de junho de 1654, voltar-se da terra para o mar, dirigindo-se aos peixes.

Ao interpelar os peixes, António Vieira está a interpelar os homens e traça um paralelismo alegórico, ao longo de todo o sermão, para criticar e, sobretudo, denunciar os comportamentos indignos dos colonos sobre os índios.

O Sermão é também, por isto, um texto de forte crítica sociopolítica e mais uma de muitas tentativas suas de melhorar atitudes e comportamentos dos mais poderosos em relação aos francamente mais desprotegidos.


As palavras são poderosas e o Padre António Vieira soube usar eximiamente o poder de cada uma delas.

“Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, prego aos peixes (…) A primeira cousa que me desedifica, peixes, é que vos comeis uns aos outros (…) Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (…) Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos os cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! (…) Pois isso mesmo é o que vós fazeis. Os maiores comeis os pequenos; e os muito grandes não só os comem um por um, senão os cardumes inteiros, e isto continuamente sem diferença de tempos, não só de dia, senão também de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens.”




Filho de um alentejano e neto de uma africana


António Vieira nasceu no dia 6 de fevereiro de 1608 na antiga rua dos Cónegos, perto da Sé de Lisboa, em pleno domínio filipino. A família era humilde. O pai, de origem alentejana, Cristóvão Vieira Ravasco, casou-se com a lisboeta Maria de Azevedo.


O avô paterno era criado dos Condes de Unhão, onde conheceu a mulher, de origem africana, com quem veio a casar, também criada dos mesmos Condes.

O avô materno era armeiro da Casa Real e recebera a promessa de um cargo na justiça para aquele que se casasse com a filha, Maria de Azevedo.


Então, Cristóvão Vieira Ravasco, assim que se casou, recebeu um cargo no Tribunal da Relação da Baía. Partiu para o Brasil, em 1906, ficando o filho pequeno, António, e a mulher em Lisboa.


Anos depois, em 1614, Maria e o filho juntaram-se a Cristóvão e foi no Brasil que o jovem António Vieira cresceu e foi educado. Fez os estudos no colégio jesuíta da Baía, então a capital desta colónia portuguesa.


Por volta dos 15 anos sentiu o apelo pela vida eclesiástica e, perante a oposição do pai, fugiu de casa para entrar na Companhia de Jesus. Aí fez o noviciado e rapidamente se transformou num jovem erudito, apesar do seu rendimento anterior, na escola elementar, fazer prever o contrário. Foi ordenado sacerdote com 26 anos, no dia 10 de dezembro de 1634.


Orador, pregador, conselheiro político, diplomata, jesuíta convicto, “imperador da língua portuguesa”, o Padre António Vieira dividiu-se entre o Brasil, Portugal e a Europa, fazendo várias viagens para levar a cabo diversas missões, defendeu e protegeu os índios e os mais desprotegidos, no Brasil, e tudo fez para que fossem livres. Viveu até aos 89 anos.

Morreu em Salvador da Baía, no dia 18 de julho de 1697.